A Curvatura do Olhar é uma tentativa de síntese de ideias que foram se construindo a partir do aprendizado local com seringueiros(as) e ribeirinhos(as) e suas percepções, em um sentido inverso ao impulso normal de toda documentação fotográfica. O benefício de uma edição e seleção de fotos 20 anos depois da própria documentação ajudou a perceber que me deixei levar pela luz que vinha da relação direta com as comunidades dentro da floresta. Essa relação se tornou prioridade e a fotografia consequência. O aparato e os conceitos fotográficos e suas relações históricas foram importantes nessa etapa de síntese visual para um fluxo de imagens e experiências pessoais. É dramático perceber hoje que tudo aquilo que foi vivido como propostas de manutenção dos ecosistemas foi destruído rapidamente e permanece muito próximo do ponto de não retorno, que atualmente tem o nome de Crise Climática. Nunca, 30 anos atrás foi tão atual.
Esta edição sintetiza a produção e o modo de vida que teve que ser criado dentro da floresta e de acordo com ela, por uma população originalmente de outra região, majoritariamente do nordeste brasileiro e que foi deslocada em contingentes épicos ao longo de um século de produção da borracha nativa. O local de moradia, da coleta do látex e da castanha do Brasil, a produção da borracha natural, o esforço em construir uma organização social, econômica e política, que teve inclusive de produzir um projeto educativo específico e com auxilio do legado do educador Paulo Freire. Clique nas fotos para ampliar e ver as imagens de cada galeria. Três galerias no total.
Para consolidar o projeto social e econômico dos seringueiros, era necessário vencer uma etapa fundamental na relação com os mercadores e atravessadores que compravam borracha: o seringueiro tinha que ter uma educação que lhe permitisse ler e fazer contas básicas para não ser enganado no peso da borracha e nos valores definidos pelo mercado mundial da borracha. Chico Mendes e seus companheiros colocaram em prática a elaboração do Projeto Seringueiro de educação e Saúde dentro da floresta e construíram diversas escolas nos seringais. O projeto educativo teve por base os princípios de Paulo Freire e contaram com apoios de diversas entidades que vinham apoiando os seringueiros nas mais diversas frentes. O modelo de saúde foi baseado no médico de saúde e treinou seringueiros e seringueiras para a atuação como agentes de saúde nas próprias escolas do projeto e na utilização da farmácia natural que existe na floresta.
A CRISE CLIMÁTICA SENDO CONSTRUÍDA
O que vemos e sentimos agora em todo o planeta não chegou de repente, já vinha sendo dito, anunciado e mostrado por toda a comunidade científica. Não existe surpresa, mas existem responsabilidades. Pessoas foram assassinadas, despejadas de suas áreas de produção, jogadas ao destino incerto por não concordarem com este projeto de agressão violenta e irracional contra a natureza. Uma quantidade enorme de floresta foi derrubada, queimada acelerando uma perda enorme de biodiversidade. Quando estas imagens foram feitas, era assustador estar no local e parecia o fim do mundo. Hoje vemos que o fim do mundo tem outro aspecto e outra sensação. Não é o fim do mundo mas sim da relação do ser humano com a natureza. Mas resta a certeza de que ela, a natureza, aguarda nosso despertar, porque ela vai ficar mesmo que o ser humano não fique.
A CASTANHA DO BRASIL
Mais conhecida como castanha do pará, é um fruto do chamado inverno amazônico, na verdade o período de chuvas que vai de novembro a fevereiro. A castanha fica escondida dentro de um ouriço que cai da castanheira, uma das grandes árvores da Amazônia, que pode chegar a mais de 20 metros de altura. O seringueiro espera os ouriços caírem para coletar, quebrar e retirar a castanha. Na economia seringueira, é um produto da entressafra da borracha, uma vez que no período de chuvas a árvore seringueira recolhe o seu látex e a borracha natural não pode ser produzida.